terça-feira, fevereiro 06, 2001

Vivam as escadas

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no Público de 6 de Fevereiro de 2001
Crónica x/2001

Se perguntássemos aos moradores do município de Lisboa quais são os problemas que consideram que a sua Câmara deveria resolver com mais urgência encontraríamos uma lista de onde constariam certamente a mediocridade dos transportes públicos, o trânsito, o estacionamento sobre os passeios (três faces da mesma moeda); a falta de simples passeios e espaços de lazer criados para o uso os peões; a falta de segurança nalgumas zonas da cidade (que é outra maneira de dizer desertificação urbana); a sujidade das ruas; a degradação dos imóveis; a falta de convivialidade da cidade; os inúmeros perigos que a cidade oferece aos peões em geral e aos idosos em particular; o desaparecimento do pequeno comércio; as ruas alagadas quando chove, etc.
Penso que seria altamente improvável que alguém pusesse numa lista desse tipo acima da trigésima posição o difícil acesso do Martim Moniz ao castelo de S. Jorge.
A solução encontrada para facilitar o acesso da Mouraria ao Castelo é, assim, pelo menos estranha, pois parece uma solução para um problema que não existia, ou existia mas não era urgente e que, de qualquer forma, podia ser solucionado de outras formas.
Pode dizer-se que a gestão de uma cidade não se resume a resolver os problemas urgentes e que há outros aspectos que têm de merecer a atenção dos autarcas, como a necessidade de prever e evitar problemas futuros ou o embelezamento e melhoramento geral da cidade.
O problema é que, também aqui, não se encontra razão para a decisão da Câmara, pois o elevador proposto parece ser a forma mais cara e menos prática de resolver qualquer problema de acesso (cuidar das ruas de acesso ao Castelo e, eventualmente, criar um vaivém de dimensão adequada às ruas parece mais sensato) e tem-se alguma dificuldade em imaginar que ele possa constituir um embelezamento, com o seu ar de mostruário de betão, típico dos anos 50, e o seu design industrial (aceitável para a correia transportadora de uma fábrica) mas certamente nem elegante, nem ousado.
João Soares, na pequena exposição patente nos Paços do Concelho sobre o elevador, faz uma imodesta comparação com a torre Eiffel — de quem também pouca gente gostava no início. A analogia não é das melhores. A torre foi uma proeza técnica, teve o mérito de não se propor desfear Notre Dame e... não servia para nada.
A Câmara de Lisboa não gosta de peões. Os peões chateiam, muitos deles são velhos e andam na estrada porque os passeios escorregam, alguns até nem gostam de buracos nem de andar na lama. O elevador tem o mérito de os concentrar num tubo, o que permite que não seja preciso preocuparmo-nos com eles nas encostas do Castelo.
O arquitecto e ensaísta Paul Virilio diz que, quando se inventa o elevador, perdem-se as escadas. Lisboa tem direito às suas escadas, ao seu relevo, às suas colinas. E a uma autarquia que resolva problemas reais de forma sensata.
Crónica

$Vivam as escadas

José Vítor Malheiros

Se perguntássemos aos moradores do município de Lisboa quais são os problemas que consideram que a sua Câmara deveria resolver com mais urgência encontraríamos uma lista de onde constariam certamente a mediocridade dos transportes públicos, o trânsito, o estacionamento sobre os passeios (três faces da mesma moeda); a falta de simples passeios e espaços de lazer criados para o uso os peões; a falta de segurança nalgumas zonas da cidade (que é outra maneira de dizer desertificação urbana); a sujidade das ruas; a degradação dos imóveis; a falta de convivialidade da cidade; os inúmeros perigos que a cidade oferece aos peões em geral e aos idosos em particular; o desaparecimento do pequeno comércio; as ruas alagadas quando chove, etc.
Penso que seria altamente improvável que alguém pusesse numa lista desse tipo acima da trigésima posição o difícil acesso do Martim Moniz ao castelo de S. Jorge.
A solução encontrada para facilitar o acesso da Mouraria ao Castelo é, assim, pelo menos estranha, pois parece uma solução para um problema que não existia, ou existia mas não era urgente e que, de qualquer forma, podia ser solucionado de outras formas.
Pode dizer-se que a gestão de uma cidade não se resume a resolver os problemas urgentes e que há outros aspectos que têm de merecer a atenção dos autarcas, como a necessidade de prever e evitar problemas futuros ou o embelezamento e melhoramento geral da cidade.
O problema é que, também aqui, não se encontra razão para a decisão da Câmara, pois o elevador proposto parece ser a forma mais cara e menos prática de resolver qualquer problema de acesso (cuidar das ruas de acesso ao Castelo e, eventualmente, criar um vaivém de dimensão adequada às ruas parece mais sensato) e tem-se alguma dificuldade em imaginar que ele possa constituir um embelezamento, com o seu ar de mostruário de betão, típico dos anos 50, e o seu design industrial (aceitável para a correia transportadora de uma fábrica) mas certamente nem elegante, nem ousado.
João Soares, na pequena exposição patente nos Paços do Concelho sobre o elevador, faz uma imodesta comparação com a torre Eiffel — de quem também pouca gente gostava no início. A analogia não é das melhores. A torre foi uma proeza técnica, teve o mérito de não se propor desfear Notre Dame e... não servia para nada.
A Câmara de Lisboa não gosta de peões. Os peões chateiam, muitos deles são velhos e andam na estrada porque os passeios escorregam, alguns até nem gostam de buracos nem de andar na lama. O elevador tem o mérito de os concentrar num tubo, o que permite que não seja preciso preocuparmo-nos com eles nas encostas do Castelo.
O arquitecto e ensaísta Paul Virilio diz que, quando se inventa o elevador, perdem-se as escadas. Lisboa tem direito às suas escadas, ao seu relevo, às suas colinas. E a uma autarquia que resolva problemas reais de forma sensata.

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