terça-feira, junho 08, 2004

#%&»#@!...

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 8 de Junho de 2004
Crónica 22/2004

A campanha nem sequer permite saber que “questões europeias” são essas que devíamos ter debatido e que não debatemos.

1. O PÚBLICO de ontem publicava na última página o resultado de um dos seus habituais inquéritos feitos através da Internet. Estes inquéritos, como o site do PÚBLICO aliás sublinha, não são sondagens nem obedecem aos critérios científicos de auscultação da opinião pública, mas têm algum valor empírico, como o têm aqueles exercícios onde perguntamos aos nossos colegas ou aos nossos vizinhos o que pensam do estacionamento ou o melhor filme em exibição. A pergunta feita era “Acha que os partidos estão a debater os temas europeus na campanha para as eleições europeias?” Uma pergunta relativamente simples, sem juízos de valor, que não parece destinada a distinguir esquerda e direita, nortenhos e sulistas, homens e mulheres ou qualquer outra coisa. O resultado era um dos mais expressivos jamais atingidos num destes inquéritos: 3 (três) por cento dos 3514 respondentes achava que sim; 97 por cento achava que não.

A resposta coincide com o pensamento dos analistas. Esta campanha, para desgraça de nós todos, não só não permitiu debater as questões europeias, como não permitiu ficar a saber o que cada partido pensava delas como nem sequer permitiu que os portugueses ficassem a saber que “questões europeias” são essas que devíamos ter debatido e não debatemos e quais as alternativas que os vários partidos representam. A primeira responsabilidade cabe, certamente, aos políticos, mas cabe também aos media­ que não souberam mostrar as ditas “questões europeias” e interpelar os partidos sobre elas e, finalmente, à famosa “sociedade civil” (eleitores, “lobbies”, clientelas, corporações, freguesias, o que se queira), cujos constituintes não surgem a público nestas ocasiões para exigir o que querem exigir e para forçar os partidos a tomar posição pública perante essas exigências, sejam o fim da PAC, os casamentos gay ou a defesa europeia.

Que a maioria não está interessada em dar importância às eleições é claro, que a oposição pretende retirar-lhes todo o cariz europeu que tenham e “domesticá-las” quanto possível também é claro. Que a esmagadora maioria dos portugueses não sabe sobre o que vai votar nem como o seu voto vai influir no mundo é também claro. O que resta? A possibilidade de um excelente fim-de-semana.

2. A questão dos insultos foi de todas a mais mobilizadora que atravessou a campanha até hoje. Ficámos por exemplo a saber que pouca gente sabe o que seja um insulto mas que muitos gostam de se sentir insultados. Houve quem achasse um insulto o irónico comentário de Paulo Portas sobre Sousa Franco ser “pai, mãe, avó, avô, gato e periquito do défice”. De facto não é um insulto, é um achado. E tem um claro significado político, que até pode ser discutido – e que não se compara com insinuações sobre as orelhas ou a careca de Sousa Franco.

Do outro lado ficámos a saber que o PP considera um insulto dizer (como disse Sousa Franco), que certo tipo de comentários (como os que fez um líder do PP) se situam na antecâmara do racismo. A reacção do PP deixa-nos uma dúvida linguística: será que se Sousa Franco chamasse simplesmente “imbecil” ao dito líder isso seria considerado pelo PP uma crítica política a seu gosto?

Não é por acaso que o insulto entrou na campanha (como objecto real ou como pretexto de debate) pois ele é o resultado da inexistência de ideias ou de vontade de as debater. Por isso debatemos a forma. A campanha vai-se assim transformando toda ela num daqueles insultos de banda desenhada, vazio de conteúdo, sem demasiada animosidade mas exprimindo um claro sentimento de frustração: #%&»#@!...

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