terça-feira, junho 27, 2006

Discutir na escola

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 27 de Junho de 2006
Crónica 24/2006


Criar na escola um espaço de livre expressão, de confronto intelectual, de exercício de cidadania.

"Quem fala mal, pensa mal e vive mal". A citação é de Nanni Moretti e pertence aos solilóquios agridoces do comunista amnésico Michele Apicella no filme "Palombella rossa" (1989), mas seria possível encontrar declarações equivalentes noutros autores.

A questão é que as palavras são de facto importantes e que existe entre a organização do discurso e a faculdade de pensar uma relação estreita que não permite estruturar uma sem desenvolver a outra.

De entre as inúmeras falhas que se podem apontar ao sistema formal de ensino português, uma delas é sem dúvida a de não apostar suficientemente no desenvolvimento de competências da ordem do discurso.

É evidente que os estudantes têm de escrever e que devem falar – mas tudo ou quase tudo aponta para a produção de um discurso escrito estereotipado ("Esta pergunta aqui é para dizer o quê, stora?") e para um empobrecimento da oralidade. As razões são muitas – turmas grandes, programas carregados, iliteracia familiar, a influência criminosa da televisão, falta de hábitos de leitura, falta de preparação dos professores, problemas disciplinares, etc – mas a verdade é que os estudantes em geral (do básico, do secundário e do superior) evidenciam deficiências comunicacionais gritantes ao nível oral e escrito que se encontram na origem de inúmeros males maiores.

A verdade é que muitos dos estudantes (e mesmo dos licenciados) portugueses tem dificuldade em expor as suas ideias de forma articulada, em sustentar as suas opiniões ou expor os seus argumentos e mais ainda em submeter as suas convicções a uma discussão ou em desmontar uma argumentação alheia – oralmente ou por escrito.

É evidente que muito se poderá fazer neste domínio no âmbito das aulas de Português ou de Filosofia, por exemplo, – mas é possível e desejável que a escola consiga agir sobre este problema noutros momentos e noutros espaços, menos marcados pela necessidade de "avançar na matéria" e onde a comunicação com e entre alunos se pode estabelecer, em princípio, de forma mais fluida e participada.

Isso é possível e pode ser feito de forma agradável e eficaz em actividades extracurriculares (como podem ser o jornal da escola ou o grupo de teatro), mas há momentos curriculares que se prestam particularmente ao desenvolvimento das competências de exposição, comunicação e debate de ideias: os chamados (em eduquês) "períodos de ausência lectiva" ou (em português) as faltas dos professores, que devem ser ocupadas por aulas de substituição.
O documento "Organização do ano lectivo de 2006/07" (disponível no site do Ministério da Educação num irritante PDF em "bitmap" que não permite copiar o texto) sugere que as aulas de substituição sejam dadas por outro professor do mesmo grupo com base no plano de aulas do professor titular. Mas o mesmo documento admite que, na impossibilidade de fazer isso, o período de aulas seja ocupado por "actividades de enriquecimento e complemento curricular".
Ora é possível e proveitoso transformar essas aulas (em vez de aulas curriculares de segunda) em aulas de debate de primeira. A prática é comum na escola anglo-saxónica, mas é boa e pode ser explorada.

É evidente que, para fazer isto de forma séria, é indispensável que todos os professores recebam alguma formação – mas essa formação seria útil na sua actividade lectiva quotidiana. Isto permitiria proporcionar aos alunos um espaço simultaneamente de livre expressão e de lúdico confronto intelectual, de prática de exposição e discussão públicas e de exercício de cidadania.
Essas aulas poderiam partir da discussão organizada de um tema da actualidade e poderiam criar um espaço pedagógico enriquecedor para professores e alunos.

terça-feira, junho 20, 2006

A senhora da "Review"

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 20 de Junho de 2006
Crónica 23/2006


"The New York Review of Books" é mais do que uma revista: é uma revista com alma.

O nome que vem no cabeçalho da primeira página é "The New York Review of Books", mas o nome comum é "New York Review". A menção "of Books" aparece por baixo, em corpo mais pequeno, e essa discrição traduz uma intenção. A "Review" fala de livros, mas não quer ser confundida com uma revista literária. Fala de literatura, de política, de ciência, de arte, de história, da actualidade, de todos os temas e ideias que merecem ser divulgados e discutidos, mas não quer ficar entalada entre uma capa e uma contracapa.

Um dos sinais desse interesse pelas ideias e pela vida pública é o facto de muitos dos artigos/críticas não terem como objecto um único livro mas serem uma leitura comparada de vários livros ao mesmo tempo, de exposições, filmes e análises da actualidade. A "Review" fala de temas, de questões, de "issues". A sua marca? Os menos apreciadores dizem que é a extensão dos textos, dissuasora de leituras diletantes, mas a verdadeira marca é a sua qualidade, a qualidade dos colaboradores – entre os quais se contam alguns dos nomes mais famosos do ensaio e da literatura anglo-saxónica –, as excelentes caricaturas de David Levine e, "last but not least", o seu empenhamento cívico, a sua atenção aos temas políticos e aquilo a que nos EUA se chama uma clara inclinação liberal.

Uma das pessoas responsáveis por esta marca genética, imprimida desde 1963, acaba de desaparecer. A mãe da "New York Review", Barbara Epstein, morreu na sexta-feira de cancro de pulmão, aos 77 anos de idade. Deixou dois filhos, três netos e uma revista que faz honras ao que de mais nobre existe nas artes da edição de livros e de periódicos.

A revista é pequena pelos padrões americanos, com a sua tiragem de 130.000 exemplares, quase só vende por assinatura, tem formato tablóide, a ingrata periodicidade quinzenal, usa papel de jornal grosso e quase só imprime a preto e branco. Mas é mais do que uma revista: é uma revista com alma. Não há no conteúdo ou promoção da revista a mínima concessão ao comercialismo – o que não impede a empresa de possuir uma sólida situação financeira. Há quem a considere um clube mas, se for um clube é um clube de debate político, à maneira do século XIX.

Devo confessar que é a minha droga de eleição e que recebo cada exemplar com a mesma expectativa com que, há algumas décadas, recebia o "Tintin".

Quase todas as apreciações da "New York Review" referem a qualidade dos textos, mas só quem não conhece o ofício pode imaginar que (apesar da qualidade dos autores) eles chegam à redacção naquele formato polido. Essa qualidade é fruto de um conjunto de editores de escol, que revê, critica, sugere, edita e corta até os textos atingirem a excelência. Tal como aliás acontece em qualquer boa editora a qualquer bom livro de qualquer bom autor. Essa era aliás a grande qualidade de Barbara Epstein, que aliava à gentileza pessoal uma determinação feroz em não permitir a passagem de nenhum texto antes de uma série de exigentes revisões e, por vezes, várias reescritas. Os textos da "Review" interpelam, iluminam e mobilizam.

Barbara Epstein estava ao leme da "Review" desde a sua fundação, em 1963, juntamente com Robert Silvers como co-editor – que prossegue agora a tarefa sozinho. A revista tinha sido lançada após um jantar de amigos em casa dos Epsteins, com o objectivo de suprir o desaparecimento temporário do suplemento literário do "New York Times", o "The New York Times Book Review", devido a uma greve de tipógrafos que se arrastaria por quase quatro meses. O projecto era temporário, mas o acolhimento foi tal que o projecto prosseguiu para além da greve. Imaginam a inquietação intelectual destas pessoas, para quem a ideia de ficar sem um suporte onde debater os seus pontos de vista era tão insuportável que decidiram lançar a sua própria revista, recrutando amigos e conhecidos?

quinta-feira, junho 15, 2006

Oriana Fallaci ainda grita

"The Agitator" é Oriana Fallaci. Um provocante retrato da provocante jornalista italiana feito por Margaret Talbot no "The New Yorker" de 5 de Junho de 2006. Os três últimos livros publicados por Oriana Fallaci, que fará 77 anos no próximo dia 29, (“The Rage and the Pride”, “The Force of Reason" e “The Apocalypse") deram origem a uma violenta polémica que ainda não se acalmou.
Neles a jornalista e escritora adopta uma posição claramente anti-muçulmana que lhe valeu acusações de racismo e o apoio de forças políticas pouco recomendáveis. Fallaci pensa que a Europa está a ser invadida pelos imigrantes muçulmanos e que a tolerância europeia está a ser aproveitada e abusada pelos adeptos de uma religião que despreza os direitos humanos e que não é mais que o nazi-fascismo da actualidade.

Post de José Vítor Malheiros publicado no blog "Em Revista", do jornal Público, em 15 de Junho 2006: http://em-revista.blogspot.pt/2006/06/oriana-fallaci-ainda-grita.html

terça-feira, junho 13, 2006

O Irão e a Bomba

"Iran and the Bomb" é um artigo da autoria de Christopher de Bellaigue publicado no número de 27 de Abril de 2006 do excelente jornal que é "The New York Review of Books". Para além da questão das actividades nucleares do Irão, Bellaigue escreve sobre a situação política interna do país - que não é tão monolítica como por vezes nos é apresentada - e explica como a inclusão do Irão no "Eixo do Mal" por George W. Bush tornou a vida mais difícil aos opositores do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.
Mahmoud Ahmadinejad por David Levine (reproduzido de "The New York Review of Books")

Post de José Vítor Malheiros publicado no blog "Em Revista", do jornal Público, em 13 de Junho 2006: http://em-revista.blogspot.pt/2006/05/o-iro-e-bomba.html



Empanturrar o monstro

Não perca o Comentário de Jonathan Rauch na "The Atlantic" de Junho de 2006,"Stoking the Beast" (que se pode traduzir como "Empanturrando a Besta" ou "Empanturrando o Monstro").Rauch, que é colaborador do "Atlantic" mas também investigador do Brookings Institution, escreve sobre um trabalho de William A. Niskanen, presidente de outro famoso "think tank", o Cato Institute, a propósito da redução dos impostos que a direita americana tanto idolatra e que George W. Bush transformou numa das marcas da sua presidência. Essa redução de impostos, a que se dá o nome de gíria de "Starve the Beast" (The Beast é o Big Government), tem como objectivo e consequências, segundo os seus proponentes, reduzir à força o papel hipertrofiado do Estado cortando-lhe a receita fiscal, mas também libertar fundos no sector produtivo que as empresas poderão usar para investir, criar emprego, fazer crescer a economia, e outras maravilhas.

Acontece que Niskanen estudou os últimos 25 anos (1981 a 2005, cobrindo Reagan, Bush Pai, Clinton e Bush Filho) e constatou que, ao longo de todo esse período, sempre que se realizou uma descida dos impostos (Reagan, Bush Filho) os gastos do Governo aumentaram e sempre que se verificou um aumento dos impostos (Bush Pai e Clinton) os gastos do Governo diminuíram.
Niskanen afirma que não encontrou "quaisquer sinais de que a existência de défices tenha alguma vez actuado como um travão dos gastos [do Governo]". Niskanen diz que a redução dos impostos sem uma prévia redução dos gastos do Governo não faz mais do que reduzir o custo aparente da acção do Estado e, dessa forma, acaba por aumentar os gastos públicos – que são financiados através de défice.
Niskanen foi ainda mais longe e determinou a nível de taxação acima do qual há redução dos gastos do Governo e abaixo do qual há aumento: 19 por cento do Produto Interno Bruto. Esse nível nos EUA foi de 17,8 por cento em 2005.
O que é mais curioso em tudo isto é que Niskanen – defensor de um papel minimalista do Estado e conservador – gostaria de estar errado. Mas foi isso que deram as suas contas.

Post de José Vítor Malheiros publicado no blog "Em Revista", do jornal Público, em 13 de Junho 2006: http://em-revista.blogspot.pt/2006/06/empanturrar-o-monstro.html

O dilema americano no Iraque

Na "The Atlantic" de Junho 2006, o jornalista Fred Kaplan, especialista em assuntos de defesa e colunista da "Slate", assina uma interessante análise sobre o futuro da intervenção militar americana no Iraque: "Hunkering Down - A guide to the U.S. military’s future in Iraq".
Alguns excertos:
"For each American soldier capable of going out on patrol or fighting insurgents, there are five support troops supplying his needs, according to an Army spokesman. In other words, of the roughly 130,000 American troops in Iraq today, only about 25,000 are combat troops."
(...)
"If Iraq shatters, the Bush administration will be faced with four choices: (1) Try to stop the civil war. (That would involve sending a lot more troops, which seems politically out of the question.) (2) Pick one side and fight alongside it. (Several senior U.S. officers, including two generals, told me they can’t imagine a president going this route.) (3) Get out quickly. (4) Hunker down, and stay neutral, till the smoke clears."
(...)
"The easier option, though, would be to hunker down—especially since we’re doing that already."
(...)
"But if things fall apart, the political trick will be to make a case that the mission still makes sense. It would be hard to justify a massive force that just sits there, but an argument could be made for a stripped-down core of 30,000 troops. If all-out civil war erupts, Iraq’s neighbors may feel compelled to step in, for reasons of security or aggrandizement—Iran on the side of Shiites, Saudi Arabia backing Sunnis, Turkey quashing the Kurds. The United States would be foolish to get militarily involved in an ethno-regional conflict, but it could help deter or mediate one—and having some troops on the ground, and planes in the air, creates diplomatic leverage. "

Post de José Vítor Malheiros publicado no blog "Em Revista", do jornal Público, em 13 de Junho 2006: http://em-revista.blogspot.pt/2006/06/o-dilema-americano-no-iraque.html

Pontes e almas

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 13 de Junho de 2006
Crónica 22/2006


Refrescar as ideias é algo que um cidadão sensato deve desejar que um ministro faça.

Uma semana com dois feriados à terça e à quinta é uma espécie de Veneza: vemos pontes por todo o lado.

Ou melhor: é como se toda a semana se transformasse numa espécie de imponente ponte de três arcos, saltando por cima de três rios de trabalho e sobrevoando-os a uma altitude prudente, ancorando os seus pilares na segurança dos dias de descanso.
A possibilidade de pontes, em Portugal, dá sempre origem a uma troca de tiradas moralistas onde uns criticam os maus exemplos do Governo e dos políticos, outros a falta de pendor para o trabalho demonstrada pelos portugueses em geral, enquanto outros preferem mesmo é fazer as pontes.

Ao ouvir certos discursos antipontícos dir-se-ia que a salvação para o desenvolvimento do país estaria na produção que se faria nestes dias e que essa salvação tinha acabado de ser destruída pelos feriados aziagos e pela preguiça de alguns inconscientes.

Que o Governo ou outra entidade pública decida oferecer pontes (leia-se feriados suplementares) aos seus funcionários é disparatado, pois todos eles têm já as suas férias e folgas. Mas isso não impede que um trabalhador, de acordo com as conveniências de serviço e com a sua chefia, goze um dia de folga ou de férias adiantado, de forma a conseguir umas agradáveis mini-férias. Da mesma maneira que parece absolutamente normal que um ministro aproveite um feriado para apanhar uns dias de sol e mar. Refrescar as ideias é algo que um cidadão sensato deve desejar que um ministro faça.

Seria um excelente sinal se os portugueses pudessem admitir que não há nada de pecaminoso no gozo de pontes, como não há no gozo de férias, folgas ou fins-de-semana.

As razões do subdesenvolvimento português não têm a ver com as folgas que se gozam, mas com a maneira como não se gozam, com a maneira como se trabalha. Nem têm a ver com as horas que se permanece no local de trabalho mas com o que se faz nessas horas e até nas outras – incluindo o caso dos ministros.

Se há algo que prejudica a produtividade nacional mais do que as pontes são a forma como as pontes são utilizadas pelos que ficam a trabalhar. O argumento "agora metem-se as pontes" serve para justificar todos os atrasos, tal como dentro de uns dias se usará o "agora mete-se o Verão" e umas semanas depois o "agora mete-se o Natal".

As pontes, as folgas e as férias, em Portugal, são algo que "se mete". O Natal também se mete, a Páscoa menos (é domingo), o Carnaval um bocadinho e as eleições idem (há a campanha, o rescaldo).

O calendário laboral nacional funciona de forma simétrica ao calendário turístico: há uma estação baixa, no Verão e Natal; uma estação alta, nos períodos mais distantes das férias; e uma estação média, que é aquela na qual estamos à espera que "se metam" as férias e similares.

Há quem pense que todo este aproveitamento dos pretextos para não trabalhar (e não falo dos que fazem as pontes) existe apesar da cultura das empresas – que seriam lugares de organização, brio, empenho produtivo e estimulante criatividade. Não parece que seja assim. É mais provável que o recurso a esses pretextos decorra da cultura das empresas, onde a gestão se confunde nem sequer com a burocracia mas com a pose burocrática no pior sentido do termo, a deslibidinização do trabalho se confunde com produtividade e o prazer do trabalho não se confunde com coisa nenhuma porque não se sabe que cor possa ter.

A ética do trabalho calvinista, segundo Max Weber, pregava a austeridade e acreditava que o trabalho trazia a salvação. Os portugueses, feitas as contas, sabem que as pontes são mais capazes de lhes salvar as almas que umas horas no escritório. É bem possível que tenham razão.

terça-feira, junho 06, 2006

Dar notas

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 6 de Junho de 2006
Crónica 21/2006

A esmagadora maioria dos pais não conhece a esmagadora maioria dos professores dos seus filhos.

A avaliação do desempenho dos professores por parte dos pais dos alunos, que se tornou a medida emblemática do novo regime da carreira docente do ensino básico e secundário, suscitou um compreensível desagrado por parte da classe docente.

De facto, a medida faz sentido para aqueles pais que vemos nalgumas sitcoms americanas e em mais sítio nenhum, que tomam o pequeno-almoço em conjunto com o rancho de filhos na cozinha, todos tagarelando alegremente em torno dos corn flakes, na enorme mesa ao pé da janela que dá para o relvado, por onde entra a rodos o sol que se reflecte no frasco de mel, enquanto discutem as aulas que cada um vai ter nessa manhã e combinam com o filha mais velha a escolha do material que ela vai usar no seu projecto de ciência. Estes pais, que tratam todos os professores dos filhos pelo nome próprio e até conhecem a fundo os seus problemas sentimentais, que fazem com as suas próprias mãos o guarda-roupa para a peça da escola, os bolos para a festa de entrega dos diplomas e que no fim-de-semana fazem voluntariado a encadernar os livros da biblioteca escolar, acompanham de facto a vida da escola por dentro e por fora, e podem avaliar de que forma cada professor contribui para a evolução pessoal dos seus rebentos. Para mais, vivem em pequenas cidades ou bairros residenciais harmoniosos, de cuja comunidade os professores também fazem parte, o que torna particularmente fácil a troca de informação e a comunhão de sentimentos.

Para os pais das sitcoms, tudo seria fácil. O problema é que os pais portugueses não vivem numa sitcom e, pelo contrário, na sua esmagadora maioria não conhecem a esmagadora maioria dos professores dos seus filhos, conhecem mal a escola que eles frequentam e muito menos conhecem as matérias que estes aprendem e a forma como elas são ministradas.

É verdade que a proposta do Governo não obriga os pais a avaliar os professores e apenas diz que essa possibilidade lhes será facultada, sendo razoável imaginar que apenas os pais mais conhecedores dos professores se atreverão a fazê-lo, mas a proposta é triplamente infeliz porque concede a um grupo um poder que não se baseia em nenhuma competência específica, porque admite o princípio da avaliação sem critério e porque dá aos pais uma falsa sensação de participação na educação dos seus filhos.

No melhor dos casos, os pais conhecem os professores dos seus filhos através da apreciação que estes fazem daqueles. Seria portanto mais justo dar aos alunos a capacidade de avaliar os seus professores (o que seria útil, no âmbito de um exercício de reflexão de cada escola). No pior dos casos, os pais conhecem os professores apenas através das notas que estes dão aos seus filhos – e, nesse caso, essas notas são indicador suficiente para uma análise de eventuais problemas.
É verdade que há pais envolvidos na vida escolar e cuja opinião sobre os professores tem qualidade e poderia ajudar a escola a melhorar? É verdade, mas a opinião desses (os pais militantes, os pais das associações) a escola já a conhece e já a toma ou deve tomar em conta na sua actividade. Um Livro de Reclamações e de Sugestões em cada escola seria mais útil para aproveitar a boa-vontade destes pais que uma avaliação de professores.

O que os pais poderiam fazer – porque disso têm um maior conhecimento que de cada professor individualmente e porque disso poderia nascer uma maior consciência da necessidade do seu envolvimento na vida da escola - seria uma avaliação das escolas dos seus filhos. O preenchimento de um inquérito sobre níveis de satisfação em vários domínios (incluindo a qualidade geral dos professores) seria certamente muito útil, senão para avaliar a qualidade absoluta, pelo menos para avaliar a percepção dos pais e a evolução da sua satisfação com o sistema.