terça-feira, setembro 12, 2006

Cinco anos de ataque

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 12 de Setembro de 2006
Crónica 31/2006

O terror pode ser potenciado pela atitude dos atacados. Neste particular, Bush cumpriu à risca os planos de Bin Laden.

A revista "The Atlantic" deste mês tem um artigo de capa com o título "We Win" ("Ganhamos"), da autoria de James Fallows, um reputado jornalista americano.

O artigo é sobre a "guerra contra o terrorismo" e Fallows tenta fazer um balanço dos cinco anos de actividade dos Estados Unidos nesta frente desde o 11 de Setembro.

O título do artigo é justificado por dois factos: desde o 11 de Setembro os Estados Unidos não voltaram a ser atacados pela Al Qaeda e as capacidades operacionais de Osama Bin Laden são hoje nulas ou perto disso.

Fallows passa em revista várias áreas de intervenção da administração americana (para isso entrevistou cerca de sessenta peritos em diferentes áreas, incluindo os autores de alguns dos livros mais relevantes publicados sobre a matéria nos EUA) mas, apesar dos seus esforços, não consegue encontrar nenhuma outra razão para proclamar vitória.

Tudo o resto (da intervenção no Afeganistão à invasão do Iraque, da evolução da economia aos direitos humanos, da vida quotidiana dos americanos à autoridade moral dos EUA no mundo) apresenta, na opinião dos entrevistados de Fallows, um balanço predominantemente negativo.

É, aliás, precisamente essa a razão da proposta de Fallows: "Como é que os Estados Unidos podem escapar a esta armadilha?", escreve o jornalista. "Declarando, simplesmente, que a 'guerra global contra o terror' acabou, e que nós ganhámos".

Ou seja: os EUA devem declarar que ganharam a "guerra contra o terrorismo" porque já controlaram tudo o que podia ser controlado – a Al Qaeda Central (leia-se Bin Laden) – e porque todos os seus esforços para além disso estão a ter efeitos perniciosos em termos políticos, sociais, de segurança e económicos. Na realidade o autor defende que se anuncie vitória precisamente porque se está a perder e porque a continuação da guerra só vai piorar as coisas.

A armadilha de que Fallows fala é a resposta americana ao terrorismo, cujos resultados avalia de forma tragicamente negativa. E, se sairmos do universo dos grupos radicais que apoiam George W. Bush ou daqueles que beneficiam directamente da sua política, esta é a opinião mais moderada que se pode encontrar.

Como a palavra indica, o terrorismo visa aterrorizar – mas o terror pode ser potenciado ou reduzido pelas atitudes dos atacados. E a política de Bush potenciou o terror. Que o país tenha sido invadido por sistemas de segurança, que os bolseiros oriundos de países muçulmanos tenham passado a ser indesejados, que o racismo tenha aumentado, que os direitos cívicos sejam atropelados, que as prisões secretas e a tortura sejam aceites como necessários, que a lei marcial se tenha banalizado, que a lei internacional seja atropelada, são vitórias do terrorismo. Neste particular, Bush cumpriu à risca os planos de Bin Laden.

Os cinco anos depois do 11 de Setembro têm um balanço negro, mas por demonstrarem como a democracia pode ser facilmente posta em risco, mesmo num país com os pergaminhos dos Estados Unidos. Não são esquerdistas a dizê-lo (como alguns querem fazer crer) mas democratas de todas as áreas. Em Março passado, a antiga Juíza do Supremo Tribunal americano Sandra Day O'Connor, republicana, considerou as liberdades constitucionais dos EUA em risco – e alertou para o facto de que é assim que começam as ditaduras. Vozes dissidentes que alertam para os perigos que espreitam as liberdades, a democracia e o direito ecoam hoje aos milhares nos EUA.

Os EUA poderiam ter tido a sua "finest hour" no pós-11 de Setembro mas, apesar do heroísmo da parte de cidadãos anónimos, os líderes americanos ficaram aquém do que se tinha o direito de esperar. É sintomático e triste que, cinco anos volvidos, a maior parte das atenções estejam concentradas nas mentiras não esclarecidas da administração Bush e que dúvidas continuem a persistir sobre aspectos essenciais do próprio 11 de Setembro. A sociedade aberta está sob ataque.

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