terça-feira, setembro 22, 2009

Teatro de revista de imprensa

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 22 de Setembro de 2009
Crónica x/2009

Ninguém sai vivo da saga das escutas e Portugal inteiro corre o risco de ganhar o Óscar da opereta

Nas últimas semanas de pré-campanha e de campanha eleitoral ficámos a saber imensas coisas do mundo da política e da imprensa que não sabíamos – o que só prova como estas campanhas são essenciais para o esclarecimento da população.
Ficámos a saber que há um ano e meio Cavaco Silva desconfiava que estava a ser escutado pelo Governo e que hoje ainda desconfia do mesmo. Ficámos a saber que há um ano e meio desconfiava que a escuta estava a ser feita por um senhor que saltava de mesa em mesa na Madeira (a figura de Groucho Marx esticando a orelha vem à memória) e que desconfia que isso hoje pode estar a ser feito através de meios electrónicos.
Também ficámos a saber que esta convicção da Presidência da República de estar a ser escutada lhe veio do facto de figuras do PS terem dito que assessores do PR estavam a colaborar no programa do PSD. É evidente que apenas através de sofisticadas escutas seria possível ter conhecimento que assessores (que são do PSD) do PR (que também é do PSD) estariam a colaborar com o PSD. A coisa não lembrava ao diabo e é demasiado rebuscada para poder ser inventada. É o tipo de coisa que não se pode saber só porque alguém nos contou e que exige microfones daqueles pequeninos escondidos em alfinetes de gravata.
Depois, ficámos a saber que o PR, quando receia estar a ser escutado pelo Governo, desencadeia os mecanismos de protecção do normal funcionamento das instituições democráticas comunicando a suspeita de forma anónima a um jornal.
Depois, graças a uma peça jornalística do DN profundamente inovadora do ponto de vista ético, ficámos a saber que a fonte identificada em 18 de Agosto pelo PÚBLICO como “um membro da Casa Civil do Presidente” era afinal um membro da Casa Civil do Presidente chamado Fernando Lima – o que confirmava aquilo que 234.000 portugueses sabiam e que Francisco Louçã já tinha dito numa entrevista na televisão. O DN considerou uma tarefa de “absoluto e inegável interesse nacional” divulgar em letra de forma o nome de Fernando Lima. Em seguida, ficámos a saber que este jornal que tem na sua mão desconfiava há dias (pela boca do seu director) estar a ser objecto de escutas por parte dos serviços de informações, “que dependem do primeiro-ministro” – ainda que o Conselho Geral desta empresa viesse horas mais tarde dizer que não tinha sido encontrado “o mais pequeno indício que lhe permita confirmar qualquer violação dos seus sistemas de informação”. Depois, pudemos ouvir os Serviços de Informação e Segurança (SIS) negar “categoricamente” o envolvimento em escutas feitas à Presidência da República ou a “intercepção de comunicações” internas deste jornal, o que nos descansou, porque se o SIS andasse a escutar dizia com certeza.
Também soubemos que a Presidência da República pediu à Divisão de Informações Militares (Dimil) que procurasse escutas no palácio de Belém, mas depois soubemos que não era verdade que o PR tivesse pedido isso e que, mesmo que tivesse pedido, isso não seria possível porque a Dimil, diz o Estado-Maior General das Forças Armadas, “não tem nem competência legal nem dispõe de capacidade técnica para o fazer”. A seguir, o Provedor deste jornal escreveu na sua crónica de domingo que “a sua correspondência electrónica, assim como a de jornalistas deste diário”, foi “vasculhada sem aviso prévio pelos responsáveis do PÚBLICO”, presume-se que para tentar saber quem enviou ao DN a correspondência interna do PÚBLICO que aquele diário publicou. O director do PÚBLICO, por seu lado, desmentiria veementemente essa acusação no dia seguinte.
Mas descansem: o procurador-geral da República está a seguir o caso com atenção e, depois das eleições, Cavaco diz que vai “tentar obter mais informações sobre questões de segurança”. Para já, ontem, o PR demitiu Fernando Lima. Tarde demais para tentar manter a ficção de que não tem nada a ver com a história. Quem é que diz que em Portugal nunca acontece nada? (jvmalheiros@gmail.com)

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