terça-feira, maio 17, 2011

As vidas múltiplas de Eduardo Catroga

por José Vítor Malheiros

Texto publicado no jornal Público a 17 de Maio de 2011
Crónica 20/2011


O problema não é o ex-futuro ministro ser uma pessoa pouco elegante. É o facto de não ter tento na língua


1. É verdade que os dislates e os deslizes de Eduardo Catroga são pouca coisa se os compararmos com a agressão de que foi acusado este fim-de-semana em Nova Iorque o patrão do FMI, Dominique Strauss-Kahn. E falar das responsabilidades do primeiro em vez de chamar a atenção para as do segundo pode parecer tão desproporcionado como comparar um pêlo púbico a uma tentativa de violação. Mas há mais do que o critério da proximidade geográfica para nos dedicarmos ao economista português em vez de ao francês: é que, se ainda falta esclarecer se um DSK em pêlo cometeu de facto o ataque de que é acusado, as declarações em que Catroga tem sido fértil não estão em dúvida e aquilo que ele propõe pode vir a sair-nos do pêlo.

Foi instrutivo ouvir e ler ao longo dos últimos dias os comentários sobre a expressão usada por Catroga na sua entrevista à Sic para criticar políticos e media por não andarem a discutir as coisas verdadeiramente importantes. Mas a questão não está, como disse Pedro Passos Coelho, no facto de Catroga ter usado uma expressão “pouco feliz”. A política está cheia de expressões pouco felizes e até claramente infelizes. A questão está, sim, no facto de o homem que foi o coordenador do programa eleitoral do PSD, que foi o negociador-chefe do PSD nos seus contactos com o PS e com a troika, que é apontado como o futuro ministro das Finanças de um eventual Governo PSD na situação difícil do país, não conseguir exprimir as suas ideias em público sem recorrer a expressões de calão que em seguida o obrigam a pedir desculpa. Está no facto de Catroga não possuir um domínio de oralidade que lhe permita exprimir a vivacidade dos seus sentimentos sem recorrer a um chavão adolescente. Está no facto de Catroga ter perdido o controlo numa situação infinitamente menos stressante do que será o dia-a-dia de um ministro das Finanças. Está no facto de Catroga ter usado a expressão no meio de uma catilinária sobre o baixo nível da discussão política em Portugal. O problema não é que Catroga seja uma pessoa pouco elegante, é o facto de não ter tento na língua e de dizer o que não quer dizer.

2. O episódio da Sic é apenas um de um rosário de casos que mostram que Catroga já conheceu melhores dias. A dança de posições sobre a descida da Taxa Social Única onde PS e PSD têm sido activos (apenas 1%? descer gradualmente até 4%? 4% de uma vez? 8% de uma vez? 4% mais 4%? 16%? 20%? só para as empresas exportadoras? só para quem contrate? para todas as empresas?) dá-nos mais um desses exemplos. Neste caso, enquanto os dirigentes do PSD garantiam apenas prever uma descida de 4 por cento da TSU, Catroga veio defender 8 por cento. A justificação? Carlos Moedas explicou: quando Catroga avançou essa possibilidade falava “como economista”. Passos Coelho também explicou que Catroga, quando se afastava da linha do PSD, falava “como técnico”. No fundo, uma explicação na linha da que deu Catroga sobre o seu deslize na Sic: neste caso tinha usado uma expressão popular na sua aldeia. Ficámos assim a saber que Catroga fala à televisão na condição de homem da aldeia, que dirigiu o programa do PSD numa condição que não sabemos qual foi mas que não foi a de economista (pois quando fala como tal diz coisas que não são coincidentes com o documento), que defende o fim da taxa intermédia do IVA como técnico mas não como futuro ministro do PSD e, provavelmente, quando revela conversas privadas que o faz na sua condição de reformado e não na de sportinguista. Isto foi o melhor que o PSD encontrou para dar a Passos Coelho a credibilidade que as suas 46 primaveras não lhe garantiam. Alguém se admira por o PS estar à frente nas sondagens? (jvmalheiros@gmail.com)

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