terça-feira, agosto 23, 2011

Ao menos Warren Buffett tem vergonha

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 23 de Agosto de 2011
Crónica 34/2011



O que justifica que os ricos paguem menos impostos que os pobres? Absolutamente nada.

O título do artigo é “Stop coddling the super-rich” (“Deixem de mimar os super-ricos”), foi publicado no New York Times de 14 de Agosto, o seu autor é Warren Buffett e a sua leitura é obrigatória. Buffett é actualmente o terceiro homem mais rico do mundo, foi durante anos o mais rico e é considerado o mais astuto investidor de sempre. E o artigo é obrigatório não porque seja a primeira vez que Buffett diz o que escreveu agora, mas porque o que escreveu é importante.

O que Buffett diz é simples: os ricos dos Estados Unidos, apesar de terem visto os seus rendimentos subir de forma astronómica nos últimos anos, têm visto os seus impostos descer sistematicamente graças a uma classe política que os beneficia por sistema. Buffett considera que isso é injusto e que não existe racionalidade social ou económica que sustente esse estado de coisas. E muito menos num contexto de crise financeira como o que os EUA atravessam, onde se pedem sacrifícios à classe média e aos mais desfavorecidos. O multimilionário dá o seu próprio exemplo e conta que, no ano passado, pagou apenas 17,4 por cento de impostos sobre os seus rendimentos, enquanto os seus empregados pagaram 33 a 41 por cento. Em Portugal a história seria a mesma.
Buffett termina propondo um aumento de impostos para os agregados familiares que ganham mais de um milhão de dólares e um aumento ainda mais substancial para os que atingem mais de dez milhões.
 
O artigo teve um impacto considerável – não só nos EUA -, com apoiantes e detractores a envolver-se em discussão. Os últimos explicaram mais uma vez que era fundamental que o sistema premiasse de forma particularmente generosa os investidores, pois estes corriam grandes riscos e, se os prémios não fossem excepcionalmente generosos, eles deixariam de investir. Curiosamente, este é precisamente um dos argumentos que Buffett desmonta no seu artigo: “Trabalho com investidores há 60 anos”, escreve o financeiro, “e nunca vi ninguém recusar um investimento razoável por causa da taxa de imposto a aplicar sobre o eventual ganho”.
 
Outros críticos explicaram tecnicamente que, mesmo que o imposto dos ricos aumentasse, isso não iria resolver os problemas financeiros dos EUA – esquecendo no meio da argumentação minudências como a equidade, a justiça e a moral.
 
Mas o mais curioso nas reacções ao artigo de Buffett não foi a polémica, mas a quantidade de milionários que apareceram a apoiar a sua posição e a declarar-se disponíveis para pagar mais impostos – o que é tanto mais significativo quanto se conhece a chantagem assassina que os republicanos levaram a cabo para defender as reduções fiscais para os ricos, à qual Obama (que afinal não é FDR, que desgraçadamente não é FDR) cedeu em toda a linha.
A questão é que Buffett acha que a actual injustiça social passa das marcas e que é excessivo e indefensável o privilégio que a sua competência financeira lhe confere.
 
Tenho a certeza de que muitos ricos portugueses partilham destas ideias e que na realidade lhes repugnam, em termos morais e económicos, os privilégios fiscais de que beneficiam e que sabem que sobrecarregam fiscalmente os portugueses mais pobres. É inevitável que esse sentimento de vergonha atinja os bancos com empresas nas Ilhas Caimão e as empresas do PSI20 com sedes na Holanda e noutros paraísos fiscais, que ficámos a conhecer nas páginas do Público no passado Domingo. É natural que, devido às férias de Verão, estes empresários ainda não tenham aparecido a manifestar o seu apoio às ideias de Buffett, mas certamente que o farão nos próximos dias, exigindo do Governo de Passos Coelho a mesma inflexão fiscal que o terceiro homem mais rico do mundo defende no seu país. (jvmalheiros@gmail.com)

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