terça-feira, fevereiro 05, 2013

O Governo e o PS ou o lume e a frigideira

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 5 de Fevereiro de 2013

Crónica 5/2013

É possível que Costa seja o melhor candidato a PM a que este país pode aspirar. Se assim é, estamos pior do que julgávamos

1. Nos últimos anos, fomo-nos habituando à ideia de que António Costa seria o melhor a que podíamos aspirar como primeiro-ministro, se considerássemos os políticos à esquerda do centro. Não sendo concebível uma maioria eleitoral de esquerda sem o PS, o PM a sair de uma eventual maioria de esquerda teria de vir daquele partido e Costa parecia ser o mais potável. Tem uma carreira de governante prestigiado, tem sido um presidente de câmara aceitável e capaz de gerir alianças, parece determinado mas sensato, tem a suficiente agressividade política mas não parece ser comandado pelos seus ódios pessoais, demonstra preocupação social, consegue construir um discurso alternativo ao do Governo ainda que na variável português suave, tem à-vontade e a suficiente capacidade de expressão e argumentação - o que o torna um tigre da Malásia ao lado de periquitos como Pedro Passos Coelho ou António José Seguro - e, o que é essencial num lider político, não põe as sobrancelhas em acento circunflexo para se dar ares de estadista. Para mais, o que começa a conferir uma certa excentricidade a um líder partidário, é licenciado pela Faculdade de Direito e não pela Universidade Lusíada, como Passos Coelho; nem pela Independente, como José Sócrates; nem pela Autónoma, como Seguro.


É verdade que apoiou, cobriu, acompanhou e desculpou José “Zé” Sócrates para além do que seria imaginável ou conveniente, mas pensávamos, apesar disso, que ele seria o melhor possível, neste mundo onde a oferta não abunda. Os acontecimentos dos últimos dias não vieram desmentir isto. É possível que Costa continue a ser o melhor candidato a PM a que este país pode aspirar. O que os últimos dias vieram mostrar foi que, se isto é o melhor a que podemos aspirar, estamos mais tramados do que julgávamos.


A chatice é que um líder político não se faz em seis meses e os últimos anos não parecem ter sido um alfobre de competência política, de empenhamento democrático, de honestidade republicana, de audácia no combate político, de capacidade de liderança. Assim, não há qualquer razão para pensar que os próximos anos nos vão oferecer um sortido mais estimulante de líderes políticos do que aquele com que podemos contar hoje. Como se faz então? Só vejo uma saída: se Costa é, de facto, o melhor que podemos esperar, alguém lhe pode dar a receita daquelas coisas que o Lance Armstrong tomava? Temos a sorte de que, por enquanto, não há testes antidoping na política. Porque não aproveitar a janela de oportunidade? Talvez Costa só precise de uma forcinha.


2. Depois de convencer Costa a avançar, é preciso explicar-lhe algo que todos pensávamos que ele sabia mas mostrou que não sabe: o maior problema que existe em Portugal é o Governo e a política do Governo. O que significa que a coisa mais urgente a fazer é combater a política do Governo e, de preferência, substituir o Governo, antes que ele liquide a democracia, extermine os portugueses, destrua o país e venda os salvados à Goldman Sachs. A unidade do PS só é importante se ela estiver ao serviço da causa nacional que é o derrube do Governo e a sua substituição por outro que ponha em prática uma política alternativa, apostada na justiça social e no desenvolvimento económico, na renegociação da dívida e na inflexão da política europeia. Se o PS não servir para isto, a sua unidade não serve para nada. António Costa diz que os militantes do PS não querem confrontos internos e que querem ver o PS concentrado na oposição ao Governo. Mas o que Costa deveria explicar aos portugueses (os militantes do PS estão incluídos) é que é necessária uma nova liderança no PS para que este faça oposição em vez de salpicar os telejornais com os habituais comentários ocos dizendo que o PS é responsável, está disponível, tem alternativas e se vai abster violentamente.


2. Já toda a gente se surpreendeu, se indignou e contestou a nomeação de Franquelim Alves para secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação. Que a escolha é errada, é evidente. Que o cavalheiro não tenha vergonha de aceitar, é triste. Nomear para o Governo um administrador do grupo SLN-BPN, protagonista da maior fraude bancária da história recente, é no mínimo uma provocação. E até Passos Coelho já deve ter ouvido a história da mulher de César. Mas o Governo quis sublinhar que não se sente obrigado a reger-se pelas regras da decência política e que o seu poder lhe permite fazer o que quiser. Tomamos nota. De novo. Mas no meio do grande escândalo há um pequenino que é, mesmo assim, de monta: o pormenor de a passagem de Franquelim Alves pela SLN-BPN ter sido devidamente expurgada do currículo oficial.


Uma proposta concreta: torne-se ilegal e nula qualquer tomada de posse de qualquer governante, deputado ou dirigente do Estado que falsifique ou omita dados no seu currículo oficial. É uma regra simples e honesta. Não esperamos que este Governo a proponha nem que este Parlamento a aprove, mas nada nos impede de esperar que a honestidade volte um dia a ter maioria. (jvmalheiros@gmail.com)

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