terça-feira, julho 30, 2013

Temos o direito de exigir que os ministros não mintam nos currículos?

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 30 de Julho de 2013
Crónica 29/2013


Um dos melhores exemplos da "podridão dos hábitos políticos" é a prática de mentira por omissão sobre os cargos e funções exercidos

1. Rui Machete esqueceu-se de mencionar a sua passagem pela Sociedade Lusa de Negócios/BPN na sua biografia oficial. Detectada a lacuna, um assessor do primeiro-ministro apressou-se a justificá-la com o argumento de que o currículo referia apenas os cargos públicos de Machete. A desculpa é falsa (o currículo referia cargos de Rui Machete noutras empresas) mas é, além disso, uma desculpa esfarrapada. Se houvesse algum critério que restringisse a cargos públicos os currículos dos ministros esse seria um mau critério. É evidente que a elisão da passagem de Machete pela SLN/BPN é apenas uma manobra de branqueamento do seu currículo, confiando na falta de memória dos portugueses e na distracção dos media.


O branqueamento de currículos não é raro na política portuguesa. Recentemente, o ex-secretário de Estado da Inovação e do Empreendedorismo Franquelim Alves também se esqueceu da sua passagem pela SLN e o próprio Pedro Passos Coelho esqueceu no seu currículo que foi administrador da Tecnoforma, uma empresa cuja actividade está a ser investigada pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude da União Europeia por suspeita de uso fraudulento de fundos comunitários.

Mas o problema é geral: não há um currículo de ministro que não seja editado para lhe retirar os elementos mais problemáticos, com a desculpa de que não são relevantes. Não é por acaso que a maior parte dos currículos dos políticos não têm datas. É para que as lacunas não sejam tão visíveis.

Os currículos que os ministros deste Governo apresentam no seu site oficial são uma demonstração de falta de vergonha e representam uma descarada colecção de mentiras por omissão.

Alguém em seu perfeito juízo contrataria para um lugar de responsabilidade um profissional que apresentasse um currículo tão cheio de lacunas como aqueles que os nossos ministros apresentam? Ninguém. E não o faria porque um currículo de onde são suprimidas algumas linhas nos faz desconfiar da integridade do seu autor, se não da legitimidade das próprias actividades exercidas.

Alguém aceitaria referências tão vagas como “na última década conciliou a gestão de empresas com a docência” ou “dirigiu um centro de sondagens”?

A opacidade dos currículos dos governantes é um bom exemplo da podridão dos hábitos políticos de que se tem falado ultimamente.

É evidente que Rui Machete não tem de incluir no seu currículo que o embaixador dos Estados Unidos suspeitava em 2008 que ele, durante as duas décadas em que ocupou a presidência da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, tinha atribuído “bolsas para pagar favores políticos e manter a sua sinecura”, mas esperamos que ele nos diga onde trabalhou e a fazer o quê. Mais: temos o direito de saber e ele tem o dever de nos dizer. E temos o direito de saber porque (isto corre o risco de ser um choque para Machete) os ministros trabalham para nós, para os cidadãos.

É admissível que um currículo seja editado para colocar em evidência aquilo que se se considera mais relevante. Mas não é admissível que as partes embaraçosas sejam apagadas. E, se se pode colocar num comunicado de imprensa uma versão reduzida do currículo, é indispensável que, no site do Governo exista uma versão integral de todos os currículos, com todas as datas e todos os cargos, incluindo as organizações a que se pertenceu e pertence (de clubes desportivos a partidos, da Opus Dei à Maçonaria), as organizações para que se trabalhou, etc.. No caso de Rui Machete, por exemplo, o seu currículo deveria incluir as dezenas ou centenas de cargos que ocupou nos diversos órgãos de gestão das diversas empresas por onde passou, como qualquer dirigente do PSD que se preze.

E, para que não se diga que é fácil criticar sem propor nada de positivo, aqui vai: proponho que todos os políticos eleitos disponibilizem na Internet, nos sites dos organismos a que pertencem, currículos completos, não editados, com a relação de todas as actividades e de todos os cargos que exerceram.

2. Há outro caso onde algum grau de formalidade, de transparência, de honestidade e de preocupação com o rigor histórico seria igualmente bem vindo: as passagens de pastas entre os governantes de um governo cessante e os do governo começante. Não se trata apenas do folhetim de Maria Luís “Não Menti” Albuquerque. As queixinhas dos ministros que não contaram, que contaram mas não contaram tudo, que contaram tudo mas eu não percebi metade não têm lugar no mundo de responsabilidade que nós gostamos de sonhar que é o mundo dos governantes.

E cá vai outra sugestãozinha: será que os serviços da Presidência do Conselho de Ministros não poderiam definir um protocolo a ser seguido nestes casos, que seja aceite por todos os partidos, que seja mesmo seguido, onde os documentos rejam registados e onde as reuniões tenham actas que sejam de facto guardadas e que nos evitem o sacrifício de ter de assitir ao contorcionismo ético-semântico de outras Marias Luíses? (jvmalheiros@gmail.com)

terça-feira, julho 23, 2013

Temos dinheiro para pagar os juros, mas não sobra para uma democracia

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 23 de Julho de 2013
Crónica 28/2013



Lembram-se daquela página dos primeiros tempos da Internet chamada "The End of the Internet"? Se procurarem agora no Google, há imensas e há até um site com esse nome onde se vendem T-shirts, mas esta era a primeira e a verdadeira, a única "The End of the Internet". Era uma página branca, com umas linhas de texto que diziam: "This is the end of the Internet. There are no more links. You can turn off your computer."

A política portuguesa parece-se cada vez mais com esta página. "There are no more links."

A política é, necessariamente, algo que nos deveria conseguir levar daqui para ali. Deveria ser a arte de nos oferecer diferentes links a clicar e de nos levar para onde queremos ir, a arte de escolher os links sem nos obrigar a desviar demasiado dos nossos interesses colectivos, tornando possível o que é desejável e fornecendo-nos ideias para desejarmos cada vez melhor.

Em vez disso, encontramo-nos num beco de onde ninguém parece ter a mínima ideia de como se sai e de onde os principais actores políticos não parecem sequer ter interesse em sair. Como uma caravela em calmaria, esperam que o vento se levante de novo e os leve algures, seja onde for, mesmo que seja para o naufrágio.

Como se dizia há anos a respeito do Brasil, o problema não é que Portugal esteja a atravessar uma crise. O problema é que não está a atravessar a crise, está parado no meio da crise. E o que é ainda pior é que a crise não está parada. Ela aprofunda-se, levando cada vez mais pessoas para o fundo, para o desemprego, a miséria e o desespero.

Porque é que as coisas até nem parecem estar pior? Porque os pobres não aparecem no telejornal, a não ser que seja para gritar no meio da rua quando há um acidente, um incêndio, um tiroteio. Os desempregados também não, a não ser que seja para ilustrar a estatística do INE, filmados à porta do centro de emprego, a dizer que "isto está mau". E a esquerda que está à esquerda do centro do PS também não, a não ser nos anos bissextos. Quantas pessoas explicam na televisão que a dívida não é pagável, como o sabemos todos? Quantas pessoas explicam na televisão que a recusa dos cortes de 4700 milhões é uma questão de mero bom senso e que Passos Coelho e a troikadevem estar loucos para insistir neles? Por que razão continuam os media (e as televisões em particular) a participar nesta enorme operação de ocultamento?

A descrição do país continua a ser feita nas mesas-redondas da televisão, nos comentários dos comentaristas, nos discursos dos ministros e dos dirigentes partidários do arco da governação, seguidos em matilha por uma pequena floresta de microfones. Será que um dia aqueles jornalistas todos, que repetem as mesmíssimas palavras dos ministros, que falam de "requalificação" em vez de despedimentos na função pública, de "reformas estruturais" em vez de cortes no Estado social, de "ajustamento" em vez de empobrecimento, do arco da governação como se fosse um artigo da Constituição, será que um dia todos estes jornalistas vão fazer dos tripés coração?

A função dos jornalistas não é repetir as declarações dos políticos. A função do jornalismo é produzir democracia. Porque a democracia é o regime das escolhas e a função do jornalismo é identificar opções, esclarecê-las, confrontá-las e colocá-las em discussão. Há demasiada retórica por explicar na política portuguesa, demasiada língua de trapos repetida por jornalistas, demasiadas perguntas por responder, demasiados discursos sem perguntas, demasiado respeito perante um poder que não respeita leis nem direitos.

Ao contrário do que se diz, não estamos em crise há três semanas por causa das demissões no Governo, nem há nove meses por causa das divisões no Governo. Estamos numa crise política profunda porque o Governo não sabe o que faz e vai continuar a fazer o que não sabe até ao fim, custe o custar, até à miséria final. Como se pagarão os juros em 2014? E em 2015? E por aí fora? Ninguém sabe. Mas pagar-se-ão custe o que custar. Mesmo que isso nos custe a vida, a democracia, o país. Afundamo-nos, mas pagamos primeiro os juros. Só depois as mulheres e as crianças. Como se governa assim? Segue-se o script que a troika escreveu e repete-se sempre a mesma coisa à frente do microfone com ar sério.

E a democracia? A soberania não reside no povo? O povo podia desempatar isto. Quando vai o povo escolher? O mais tarde possível. A democracia, já explicaram Cavaco Silva e Passos Coelho, é muito cara. As eleições fariam subir os juros, dariam uma ideia de instabilidade, obrigariam a um segundo "resgate". Só caloteiros é que fazem eleições, gente inconsciente, sem a noção do poder dos mercados. Um novo governo assustaria os credores. Para comprar uma democracia ficávamos sem dinheiro para pagar pensões. Não temos dinheiro para comprar mais democracia. Temos de ficar com esta democracia de plástico comprada na loja chinesa, com este manequim que faz de primeiro-ministro, com esta marioneta que faz de Presidente, com esta boneca de trapos que faz de oposição, com estes pés-de-microfone que fazem de jornalistas. (jvmalheiros@gmail.com)

terça-feira, julho 16, 2013

Cavaco Silva: do silêncio pesado ao golpe de estado light

por José Vítor Malheiros
Texto publicado no jornal Público a 16 de Julho de 2013
Crónica 27/2013

E se a opção que o presidente tenta ignorar, reprimir e abafar fosse a única salvação possível?


Admito que haja pessoas que pensam, de boa fé, que a melhor coisa que Portugal pode fazer é seguir os ditames da troika, por muito dolorosos que eles sejam. Admito que haja pessoas que acreditam na benignidade da tutela internacional e que, depois de um período de destruição purificadora, sobrevirá uma fase de reconstrução da economia em bases mais saudáveis e com maior bem-estar para todos. Admito que haja pessoas que pensam assim, mas considero que este tipo de esperança releva do pensamento mágico, porque não há sinais na realidade que nos dêem alguma indicação neste sentido, como os últimos dois anos nos têm demonstrado na carne e como o debate entre especialistas evidencia.

Admito também (com maior facilidade) que muitas pessoas defendam a troika, o memorando e o pagamento da dívida custe o que custar porque este programa económico-financeiro serve os seus objectivos políticos e o seu modelo de sociedade: o empobrecimento e a perda de direito dos trabalhadores, o aumento da desigualdade, o enfraquecimento do estado social com a transformação de direitos sociais em negócios privados e a acumulação de poder político e de capital num grupo restrito de pessoas.
Tenho alguma dificuldade em identificar um terceiro grupo de pessoas que adira ao programa de austeridade em curso, ainda que admita que haja mais, da mesma forma que admito que os dois grupos retratados acima se desdobrem em vários matizes.

É por isso que considero surpreendente que, apesar das críticas ao modo inábil como o Presidente da República lançou a sua Iniciativa de Salvação Nacional (InSaNa, para simplificar) tenha havido um tão grande número de personalidades a louvar o gesto. As manifestações de agrado porque o presidente estava a pôr os partidos na ordem vieram de praticamente todos os sectores da direita e do centro.


A InSaNa tem alguns pressupostos claros. Cavaco Silva acha que a salvação nacional só se alcança se se obedecer sem hesitações ao memorando da troika e às suas diferentes versões, actuais e futuras; se os três partidos do arco da troika deixarem de discutir política entre si e concordarem com cortes de 4700 milhões de euros no Estado; se, na campanha das próximas eleições legislativas, não houver “crispação entre as diversas forças partidárias”, o que se consegue se todos defenderem a mesma política; se for o Presidente da República a tutelar os partidos, porque estes, entregues a si mesmos, não defendem o interesse nacional; se se votarem ao ostracismo os partidos que defendem políticas alternativas à troika; e se só se recorrer a eleições em último caso, porque elas são um factor de instabilidade.
A intervenção de Cavaco merece críticas de muitos pontos de vista. É criticável, antes de mais, porque se insere numa retórica antidemocrática contra os partidos que a crise tem vulgarizado e que se vê avalizada. É ilegítima porque pretende impor aos partidos que assinaram o memorando um programa político para o imediato, para as próximas eleições e para o governo que sairá delas. É ilegítima porque contraria o que o próprio presidente tem dito sobre a leitura que faz dos seus poderes e sobre a dependência do Governo perante o Parlamento. É ilegítima porque impõe o PR como tutor do Governo. É ilegítima porque visa limitar a liberdade de acção dos partidos em geral e dos que formam ou podem vir a formar Governo em particular, limitando o confronto ideológico e o debate político que estão na base das escolhas democráticas. É ilegítima, finalmente, porque faz uma opção ideológica sectária, que pretende impor uma prática governativa que nada permite defender que seja maioritária.

Poder-se-ia defender que tudo isso é aceitável em nome da “emergência nacional”. Mas o PR não tenta apenas desbloquear o sistema, dando-lhe uma empurrão para que ele possa andar sozinho. A tutela que Cavaco quer impor é uma tutela de longo prazo, que visa amputar o espectro político de opções à esquerda e condicionar a acção política durante muitos anos. Cavaco acha que a democracia não é do interesse nacional e propõe-se dirigir o país, mantendo os partidos, o Parlamento e o Governo numa situação de capacidade diminuída, como verdadeiro vice-rei da troika. É um golpe de Estado light, que formalmente não ultrapassa os poderes constitucionais do PR e que os partidos do arco da troika aceitam por pusilanimidade.


John Stuart Mill dizia que um dos principais argumentos em favor da liberdade de expressão era o facto de ela garantir que não se abafava a verdade. A questão é semelhante: e se a opção que Cavaco tenta reprimir e abafar fosse a única salvação possível? E se a renegociação, com uma moratória ao pagamento de juros e o corte da dívida, fosse a única opção possível, como pensam a maior parte dos economistas não comprometidos com os bancos e os partidos excluídos por Cavaco? E se a opção que Cavaco está a impor apenas garantisse a destruição do país e a escravidão dos portugueses? (jvmalheiros@gmail.com)

sábado, julho 13, 2013

Salvação Nacional - Post no Facebook

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13 Julho 2013, 03h03

Em geral, um governo de salvação nacional reúne todas as forças políticas nacionais (ou, pelo menos, todas são instadas a juntar-se-lhe) em nome do combate a uma ameaça à própria sobrevivência nacional. O caso canónico do governo de salvação nacional é o estado de guerra, com risco de derrota e ocupação por uma potência inimiga. Compreende-se que, neste caso, a sobrevivência do país como entidade independente e a salvação da sua identidade e património constitua uma base comum para um entendimento entre partidos com histórias, interesses e ideologias diferentes ou mesmo antagónicas.
O que é mais raro, e constitui uma inovação portuguesa, é o apelo à constituição de um Governo de Salvação Nacional (sim, eu sei que por enquanto é só "um compromisso" ou "um acordo" de SN) para ajudar uma potência ocupante a dominar o país, destruir a sua soberania e escravizar o seu povo.

sexta-feira, julho 12, 2013

Remodelação governamental - Post no Facebook

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12 Julho 2013

Pedro - Bom dia. Trago-lhe aqui a remodelação.
Aníbal - Obrigado. Pode deixá-la em cima dessa mesa.
Pedro - Hmmm... Não quer dar-lhe uma olhadela? Assim, se precisar de alguma explicação eu posso... agora mesmo...
Aníbal - Não vale a pena, obrigado. Basta deixa-lá em cima da mesa.
Pedro - Muito bem. Aqui?...
Aníbal - Em qualquer sítio.
Pedro - E quando é que acha que terá tempo para...
Aníbal - Eu depois vejo.
Pedro - Mas imagino que vai precisar de alguma explicação suplementar. Naturalmente que estou disponível a qualquer momento...
Aníbal - Penso que não será necessário. Mas agradeço.
Pedro - Ah, bom... E acha que me poderá dizer alguma coisa...
Aníbal - Deixe-me ver primeiro. Assim não sei...
Pedro - Mas em princípio acha que poder á...
Aníbal - Agora, se não se importa, tenho de trabalhar na minha comunicação.
Pedro - Pois, precisamente, é mesmo por causa disso que eu pensei...
Aníbal - Obrigado.
Pedro - Espero que aquela questão... zinha já esteja ultrapassada. Não gostaria de pensar que existe qualquer... Nunca foi minha intenção...
Aníbal - Lamento, mas tenho mesmo de trabalhar.
Pedro (hesita, já na porta) - Bom, então deixo-o trabalhar. Mas, em princípio está tudo bem, não é? Não deve haver nenhum problema...
Aníbal - Obrigado.

    quinta-feira, julho 11, 2013

    Discurso de Cavaco Silva 1 - Post no Facebook

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    11 de Julho 2013, 01h04

    Cavaco fez um discurso confuso, que exigiu umas horas de trocas de impressões entre comentadores até se conseguir uma leitura minimamente consensual sobre o que o presidente tinha dito. Em momento de crise, valia a pena ter feito um maior esforço de clareza.

    Cavaco fez com este discurso a sua própria moção de censura ao Governo. Cavaco explicou que só não convocava eleições antecipadas imediatamente devido ao “resgate” em curso. Mas informou que, mal a oitava avaliação termine, as convocará sem hesitar. Este Governo não lhe parece de confiança. É provisório. Não se percebe como é que "os mercados" devem confiar nele se o presidente não confia.

    Cavaco desautorizou e humilhou Pedro Passos Coelho, a quem não reconheceu as capacidades de liderança, de negociação e de intermediação necessárias numa fase grave da vida nacional. Cavaco permitiu mesmo que o PM pensasse que ele, Cavaco, iria aceitar o último modelo de remodelação governamental e que esta sua comunicação ao país serviria para a anunciar. Cavaco não deixou sequer Passos Coelho fazer a sua remodelação. Cavaco acha que não pode confiar o governo ao primeiro-ministro. O que pode fazer Passos Coelho? Demitir-se? Depois do “Não me demito.”?

    Cavaco desautorizou e humilhou Paulo Portas (recusando-lhe a promoção que ele e o seu partido tinham como garantida), obrigando-o a manter-se no Governo sem nenhuma das vantagens territoriais que tinha conseguido à custa do seu recuo. Portas não lhe parece digno de mais responsabilidades nem de uma vitória política. O que pode fazer Paulo Portas? Demitir-se de novo? Publicando um comunicado dizendo que desta vez a sua decisão é… irrevogável?

    O Governo está hoje mais frágil do que antes e não pode merecer a confiança ou o respeito de ninguém. É, de facto, um Governo de gestão, com capacidade diminuída, que fica à espera do momento da saída, em Julho de 2014, e que perdeu estrepitosamente o apadrinhamento do seu maior apoiante. O programa político do governo é, agora oficialmente, o memorando da troika e o programa do segundo resgate. As negociações com a troika serão aliás levadas a cabo por uma pessoa muito lá de casa, a ministra Maria Luís Albuquerque. E Cavaco passou a ser o dono do Governo. Alguém se conseguirá demitir?

    Cavaco sabe que vai ser necessário um segundo resgate e quer prender o PS à assinatura desse resgate, tal como esteve preso ao memorando da troika. O que pode fazer Seguro, depois de ter jurado mil vezes a pés juntos que iria cumprir o memorando e pagar tudo o que devemos?

    Se o PS aderir ao acordo – e é provável que o “negociador” que Cavaco vai nomear para o representar proponha um acordo mínimo, irrecusável – a liderança de Seguro ficará esvaziada e o partido dividido em dois. O PS resistirá? Ou parte? E que argumentos poderá Seguro invocar para não assinar um "acordo de salvação nacional" que contenha algumas daquelas frases ocas que ele costuma dizer?

    E o PSD, amarrado por natureza ao Governo e ao memorando, com um acordo tripartido que lhe irá retirar toda a margem de manobra, resistirá a um segundo resgate e a mais austeridade? Mesmo quando já não tiver benesses para distribuir pelos amigos? Ou parte?

    Com que programas se apresentarão às eleições antecipadas os três partidos PSD, PS e CDS se assinarem o acordo? Todos apresentarão o mesmo programa? Cada um deles irá criticar os outros dois por terem assinado o acordo?

    O PCP e o BE conseguirão alargar a sua base de apoio de forma significativa? Quantos partidos e que partidos haverá daqui a um ano?

    Cavaco parece ter recuperado há algumas semanas as suas capacidades mentais e demonstrou hoje a sua capacidade para ocupar o centro do tabuleiro político e para dar um abanão ao espectro político. Para fazer de eucalipto, como só ele sabe.

    Há aqui alguma oportunidade para alguma coisa interessante? Há. As pessoas do CDS e do PSD com alguma independência de espírito, que recusam a subserviência perante a troika e que não gostaram de transformar o país num capacho para os bancos limparem as botas podem encher-se de brio e mostrar o seu patriotismo.

    O PS pode aproveitar para sacudir o seu líder (antes ou depois de ele assinar o acordo tripartido). E a esquerda pode aproveitar a oportunidade para a) demonstrar como é importante ter uma alternativa e b) construir essa alternativa.

    Discurso de Cavaco Silva 2 - Post no Facebook

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    11 Julho 2013, 22h10

    (Desculpem. Comecei a escrever e fui por aí fora).

    O facto político mais relevante após o discurso de Cavaco é o facto de ninguém estar a acusar o presidente de ter levado a cabo um golpe de estado. E, no entanto, foi isso que ele fez, ainda que no seu jeito institucional, citando a Constituição como fonte eterna de soluções e explicando que o seu golpe de estado era apenas provisório e que podia dar origem a outra estratégia caso esta não fornecesse um resultado que lhe agradasse.
    Vejamos.
    Cavaco não só colocou o Governo sob a tutela política do PR como se sobrepôs à vontade do Parlamento, ao recusar (de forma humilhante para os partidos intervenientes, sem sequer o referir como facto relevante) o acordo PSD-CDS de remodelação governamental e que o CDS insiste que daria origem a um “Governo de legislatura”, até 2015. É particularmente curioso que Cavaco o tenha feito dias depois de ter dito que é o Parlamento que suporta ou faz cair Governos. O que Cavaco veio sublinhar, com a sua atitude, é que, decidam os partidos o que decidirem e independentemente do apoio parlamentar maioritário que uma configuração de Governo possa ter, a última palavra é sua pois é ele que dá posse aos ministros. O Governo que Cavaco recusou por omissão era um Governo com apoio parlamentar maioritário.
    Cavaco faz mais: pressiona o PS a apoiar o actual Governo, em nome da “salvação nacional”, ignorando o papel de oposição que o PS de Seguro representa (titubeantemente, é verdade) e recusando, com a sua retórica de “salvação nacional”, a possibilidade, a conveniência ou a simples existência de políticas alternativas. Para Cavaco, na actual conjuntura, fazer política responsável é, pura e simplesmente, apoiar o Governo – isto, ainda que ele próprio não confie no Governo – simplesmente porque este obedece à troika e oferece uma possibilidade remota de regresso aos mercados. Cavaco não percebe ou não quer perceber a utilidade do confronto político na democracia nem o papel dos partidos na produção de políticas alternativas. A sua visão de estabilidade política é uma união nacional da direita, tutelada por si.
    Cavaco vem dizer que os partidos são crianças malcriadas que precisam de rédea curta, disciplina, orientações claras, um calendário e um pai severo que persevera sobre as suas cabeças. E o discurso não colheu apenas entre os taxistas. Políticos, pessoas crescidas, comentadores e até politólogos vieram concordar que era tempo de os partidos serem chamados às suas responsabilidade e participar na unanimidade da “salvação nacional”. O golpe de Estado é também esta institucionalização da menoridade dos partidos e da sua independência. O golpe de Estado é esta suspensão da democracia por doze meses.
    Os partidos que contam para Cavaco são, aliás, os do “arco da governabilidade”. Os que assinaram o Memorando de Entendimento com a troika. Os outros? Não existem no discurso de Cavaco. O Presidente esqueceu-se que era de todos os portugueses e de todos os partidos e do seu dever de equidade. O Parlamento e a actividade política portuguesa, para Cavaco, pára no PS. À esquerda é a terra incognita que nem sequer é preciso referir e onde só podem viver monstros. O golpe de Estado é também este escotoma da Constituição, este escotoma da esquerda, que Cavaco atira pela janela com sobranceria. O panorama político português foi amputado da ala esquerda com a mais absoluta displicência. As soluções? Estão na direita e eventualmente até ao PS. O próximo Governo? Terá de estar também por aí. O resto é o desastre. O presidente desaconselha. Não estão no quadro.

    Se António Costa (ou outro socialista com coluna vertebral e uma verdadeira alternativa na cabeça) fosse secretário-geral do PS, estaríamos a ver o PS e toda a esquerda em pé-de-guerra. Mas quem lá está é Seguro e – sabemo-lo todos, ainda que só o digamos em voz baixa – ninguém quer ver Seguro no Governo, incluindo o próprio. A linguagem corporal dos apoiantes de Seguro, esquivando-se na televisão às perguntas dos jornalista, é elucidativa: estão todos profundamente aliviados.
    Cavaco, ao não convocar eleições antecipadas, livrou-nos de Seguro e isso não pode deixar de ser visto senão com uma parcial sensação de alívio. De tal forma que até esquecemos o que, politicamente, representa a atitude populista de Cavaco em relação aos partidos e ao Parlamento. De tal forma que até esquecemos o que representa a atitude paternalista de Cavaco em relação ao Governo.
    Uma atitude que, note-se, não se resume à actual legislatura. Cavaco quer que o acordo de “salvação nacional” e a suspensão do combate político se estenda ao próximo Governo, àquele que nascerá das próximas eleições antecipadas, depois de Julho de 2014. Os três partidos do arco deverão apoiar esse Governo, que ninguém sabe qual será e o acordo deverá ser a base das suas políticas. Ninguém? Não é bem assim. Cavaco sabe e já disse o que quer. E é ele que dá posse ao Governo. Vai ser o mesmo: PS+PSD+CDS.
    Quem disse que Cavaco tinha uma visão minimalista do papel do presidente?

    Será isto suficiente para acordar o PS? Esperemos que sim. O PS precisa de um líder que denuncie a estratégia de Cavaco, que explique as suas implicações antidemocráticas, que mostre que existem alternativas e que essas alternativas são necessárias para a sobrevivência do país. E a esquerda em geral deve compreender que, mais do que nunca, precisa de conseguir gerar uma solução governativa com real apoio popular.
    Ver Cavaco humilhar o PSD e o CDS foi divertido durante umas horas. Agora é tempo de lhe dizer para parar de brincar aos caudilhos. Precisamos mesmo de eleições e de regressar à política. Mas precisamos de ter uma real alternativa.

    11

    terça-feira, julho 09, 2013

    Interrogações sem resposta e coisas que não vamos perceber nunca

    por José Vítor Malheiros
    Texto publicado no jornal Público a 9 de Julho de 2013
    Crónica 26/2013

    Passos Coelho consegue falar com Portas, ainda que muito firme e hirto, ou vai continuar só a mandar-lhe SMS?

    A que vai ficar reduzido o papel do primeiro-ministro se Paulo Portas passa a ser o responsável pela coordenação económica, pelas negociações com a troika e pela reforma do Estado, num cenário onde é a troika que toma as decisões fundamentais? Ficámos com dois co-PM?
    Como é possível uma relação de cooperação entre Pedro Passos Coelho e Paulo Portas se ambos se detestam e se desprezam? Como é possível um Governo onde todos se tentam envenenar em segredo? Como é possível imaginarem que nós não sabemos isso?
    Como é possível que Portas regresse ao Governo depois de uma demissão “irrevogável”, motivada por imperativo de “consciência”, de confessar por escrito que apenas tem sido um verbo de encher no Governo, que tem sido “reiteradamente” ignorado por Passos Coelho e que ficar no Governo seria um “acto de dissimulação”?
    Que argumentos usou Passos Coelho quando fez a Paulo Portas a proposta de regresso ao Governo que ele não pôde recusar? Como podia estar tão seguro de que podia convencer Portas quando recusou o seu pedido de demissão?
    Passos Coelho pensa que aquela encenação do discurso no hotel deu uma imagem de reconciliação e unidade?
    Passos Coelho consegue falar com Portas, ainda que muito firme e hirto, ou vai continuar só a mandar-lhe SMS?
    Como é possível que Portas vá conviver no Governo - e tutele de facto - Maria Luís Albuquerque quando a apresentou como a gota que fez transbordar o vaso, quando considerou, por escrito, que a sua escolha não foi cuidadosa e quando considerou que ela constituía uma continuidade inaceitável da política seguida nas Finanças, num momento em que era imperioso “abrir um ciclo político e económico diferente”?
    Como é possível que Maria Luís Albuquerque aceite ser tutelada por Paulo Portas? Que briefings fará Pedro Passos Coelho a Maria Luís Albuquerque? E a ministra, com quem despachará?
    Que sentido tem dar a pasta das Finanças à adjunta de Vítor Gaspar, para prosseguir as suas políticas, depois deste ter admitido por escrito e em público o fracasso dessas mesmas políticas?
    Que política orçamental vai ser seguida pelo Governo? A de Vítor Gaspar/Maria Luís Albuquerque ex-negociadores com a troika ou a de Paulo Portas, futuro negociador com “esses senhores” que vai tentar pôr fora do país o mais depressa possível?
    Cavaco Silva vai aceitar a remodelação só hoje porque achou que uma crise no Governo não era nada que justificasse acelerar as audições aos partidos e encurtar o fim-de-semana?
    Cavaco Silva sabe que pode demitir o Governo ou acha que só o Parlamento o pode fazer?
    Passos Coelho vai passar a informar atempadamente o PR das demissões no Governo?
    O que acontecerá quando Paulo Portas continuar a ser ignorado por Passos Coelho e perceber que o seu contributo continua a ser dispensável, que afinal não vai coordenar a economia, não vai dirigir as negociações com a troika, não vai decidir nada na reforma do Estado e tem um contrato assinado com sangue a dizer que está proibido de protestar em público?
    Paulo Portas tinha mesmo alguma ideia na cabeça quando se demitiu ou foi só uma ideia que lhe passou pela cabeça mas não ficou lá?
    Portas achava que o CDS o ia seguir como um só homem, mesmo sem perceber nada daquilo que ele não lhes tinha explicado, e que aceitava perder, sem estrebuchar, a oportunidade de estar no Governo?
    Paulo Portas percebe que perdeu toda a credibilidade política no seio do seu partido, do Governo e do país ou pensa que gastou apenas mais uma vida?
    O CDS percebe que perdeu uma fatia considerável da sua credibilidade política ou pensa que, desde que continue no Governo, está tudo bem?
    Passos Coelho pensa que ganhou por ter obrigado o seu rival a ficar dentro da tenda? Paulo Portas pensa que ganhou porque tem mais pastas? Cavaco Silva pensa que ganhou por ter adiado as eleições?
    Passos Coelho, Paulo Portas e Cavaco Silva pensam mesmo que a solução encontrada garante a estabilidade e são todos mais (ou ainda mais) limitados do que parecem?
    Seguro e Portas e Passos e Cavaco pensam mesmo que o país perdeu três mil e tal milhões de euros com a crise da semana passada? Nenhum deles sabe o que representam as cotações?
    O que teriam feito o PR, o povo e todos os partidos se António José Seguro desse alguma mostra de ter um mínimo de competência, de consistência, de capacidade de liderança, em vez de ser o adolescente inseguro que é?
    Que sentido tem a troika continuar a exigir a continuação da austeridade quando o FMI já admitiu reiteradamente que se enganou na receita e que as políticas que eles pensavam que seriam expansionistas são afinal fortemente recessivas? Que sentido tem o Governo português continuar a querer seguir a receita que a troika admitiu estar errada?
    Quando é que o PS, o PSD, o CDS-PP, o Governo e Cavaco Silva reconhecem aquilo que todos os economistas sabem e admitem que esta dívida não pode ser paga, que tem de ser renegociada, parcialmente perdoada, os seus juros reduzidos e os prazos de pagamento redefinidos de acordo com a evolução da economia? (jvmalheiros@gmail.com)

    terça-feira, julho 02, 2013

    Pedro Lomba lança programa de irresponsabilidade política

    por José Vítor Malheiros
    Texto publicado no jornal Público a 2 de Julho de 2013
    Crónica 25/2013


    Secretário adjunto do ministro adjunto quer conversas off-the-record com os jornalistas

    1. A trapalhada da passagem de informação entre o Governo anterior e o actual sobre os swaps detidos pelas empresas públicas é um bom exemplo da política no seu pior.

    O que ficámos a saber, depois das declarações de Teixeira dos Santos e do actual “ministério das Finanças” ter enviado um comunicado à Lusa sobre o tema, foi que a afirmação da (então) secretária de Estado do Tesouro Maria Luís Albuquerque à Comissão Parlamentar de Inquérito, segundo o qual “na transição de pastas, nada foi referido a respeito desta matéria" é falsa.

    É verdade que não se sabe se a ainda secretária de Estado mentiu ou se estava apenas mal informada. E é também verdade que, se estava mal informada, não sabemos se foi porque Vítor Gaspar se esqueceu de lhe contar ou se foi porque este achou que, sendo os swaps um bom negócio para os bancos, era melhor deixar correr o marfim. Mas a verdade é que sabemos hoje que os swaps foram abordados entre Teixeira dos Santos e Vítor Gaspar não apenas de fugida mas numa manhã e numa segunda reunião à tarde e que o Governo anterior tinha mesmo pedido uma informação sobre o assunto à Direcção-Geral do Tesouro e das Finanças que foi entregue ao Governo de Pedro Passos Coelho logo em Julho de 2011. É difícil dizer que foram apanhados de surpresa.

    Ontem, a ainda secretária de Estado do Tesouro insistiu no que disse antes mas com nuances: disse que “não recebeu” informação sobre swaps na pasta de transição passada pelo anterior secretário Estado. É diferente de dizer que “nada foi referido a respeito desta matéria", mas já se percebeu que, a partir daqui, as meias-verdades rendilhadas ocuparão o centro do palco. Para a semana, outro comunicado do “ministério das Finanças” poderá dizer que é falso que Vítor Gaspar tenha recebido qualquer informação sobre o assunto numa pasta verde e poderemos todos conjecturar sobre a cor da pasta. Seria divertido se não fosse grave.

    2. As últimas declarações da ainda-secretária-quase-ministra Maria Luís Albuquerque sobre a questão dos swaps foram feitas no decorrer da bizarra instituição de que o secretário de Estado adjunto do ministro adjunto Pedro Lomba é o orgulhoso protagonista e que dá pelo nome de briefing-ora-em-on-ora-em-off.

    Segundo Lomba, há dois tipos de discurso político que estão a alimentar “o sentimento anti-política”: “De um lado, um discurso técnico-político, difícil de perceber e de interpretar; do outro lado, um discurso superficial e vazio que não se compromete com nada e que nada assume.”

    Para combater o “discurso técnico-político, difícil de perceber e de interpretar”, Pedro Lomba vai oferecer "informação correcta e explicada”, pedindo nomeadamente aos jornalistas que lhe enviem previamente as perguntas que lhe querem fazer para ele poder estudar as questões.

    Para combater o “discurso superficial e vazio que não se compromete com nada e que nada assume” Pedro Lomba propõe-se ter conversas informais off-the-record com os jornalistas, de forma a poder dizer o que lhe apetece em nome do Governo sem ter de se comprometer com nada nem de assumir nada. Confusos? Não estejam. É o que acontece quando uma pessoa se torna adjunto do adjunto de Pedro Passos Coelho.

    É admissível que Pedro Lomba não saiba nada de jornalismo, apesar da sua experiência como cronista. Mas, se perguntasse, ficaria a saber que a figura do off-the-record não deve ser um travesti para intoxicação anónima de jornalistas mas é algo a usar apenas quando é necessário proteger as fontes de alguma forma de retaliação. O Livro de Estilo do Público, por exemplo, diz: “O anonimato e o off-the-record devem ser considerados excepções e só existem para proteger a integridade e liberdade das fontes, não são formas de incitamento à irresponsabilidade das fontes. O jornalista deve sempre confrontar a fonte que exige o anonimato ou o off-the-record com a real necessidade de tal exigência, não aceitando com facilidade a evocação prévia de tais compromissos sobre assuntos em que a fonte nada tem a temer.”

    Claro, não é?

    Lomba diz, para se justificar, que há briefings em on e em off “noutras democracias consolidadas”. É verdade. Mas também há políticos que têm sexo com menores e escutas sem mandado judicial “noutras democracias consolidadas” e não é por isso que os queremos imitar. Os briefings off-the-record do Governo, em qualquer país, são uma prática condenável.

    Em termos simples: só em casos excepcionais é admissível que um governante fale off-the-record. O uso do off-the-record reduz a responsabilização (accountability) e aumenta a inimputabilidade (deniability) dos políticos. Muitos o fazem? Sim, mas não deviam fazer e os jornalistas não os deviam ouvir.


    A aceitação do off-the-record em declarações de um governante promove a irresponsabilidade do governante e do Governo, aumenta a opacidade da política, reduz a liberdade de imprensa e abre a porta ao tráfico de influências. Que alguém que escreveu um livro intitulado “Teoria da Responsabilidade Política” não perceba isto é lamentável. (jvmalheiros@gmail.com)