quinta-feira, julho 11, 2013

Discurso de Cavaco Silva 2 - Post no Facebook

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11 Julho 2013, 22h10

(Desculpem. Comecei a escrever e fui por aí fora).

O facto político mais relevante após o discurso de Cavaco é o facto de ninguém estar a acusar o presidente de ter levado a cabo um golpe de estado. E, no entanto, foi isso que ele fez, ainda que no seu jeito institucional, citando a Constituição como fonte eterna de soluções e explicando que o seu golpe de estado era apenas provisório e que podia dar origem a outra estratégia caso esta não fornecesse um resultado que lhe agradasse.
Vejamos.
Cavaco não só colocou o Governo sob a tutela política do PR como se sobrepôs à vontade do Parlamento, ao recusar (de forma humilhante para os partidos intervenientes, sem sequer o referir como facto relevante) o acordo PSD-CDS de remodelação governamental e que o CDS insiste que daria origem a um “Governo de legislatura”, até 2015. É particularmente curioso que Cavaco o tenha feito dias depois de ter dito que é o Parlamento que suporta ou faz cair Governos. O que Cavaco veio sublinhar, com a sua atitude, é que, decidam os partidos o que decidirem e independentemente do apoio parlamentar maioritário que uma configuração de Governo possa ter, a última palavra é sua pois é ele que dá posse aos ministros. O Governo que Cavaco recusou por omissão era um Governo com apoio parlamentar maioritário.
Cavaco faz mais: pressiona o PS a apoiar o actual Governo, em nome da “salvação nacional”, ignorando o papel de oposição que o PS de Seguro representa (titubeantemente, é verdade) e recusando, com a sua retórica de “salvação nacional”, a possibilidade, a conveniência ou a simples existência de políticas alternativas. Para Cavaco, na actual conjuntura, fazer política responsável é, pura e simplesmente, apoiar o Governo – isto, ainda que ele próprio não confie no Governo – simplesmente porque este obedece à troika e oferece uma possibilidade remota de regresso aos mercados. Cavaco não percebe ou não quer perceber a utilidade do confronto político na democracia nem o papel dos partidos na produção de políticas alternativas. A sua visão de estabilidade política é uma união nacional da direita, tutelada por si.
Cavaco vem dizer que os partidos são crianças malcriadas que precisam de rédea curta, disciplina, orientações claras, um calendário e um pai severo que persevera sobre as suas cabeças. E o discurso não colheu apenas entre os taxistas. Políticos, pessoas crescidas, comentadores e até politólogos vieram concordar que era tempo de os partidos serem chamados às suas responsabilidade e participar na unanimidade da “salvação nacional”. O golpe de Estado é também esta institucionalização da menoridade dos partidos e da sua independência. O golpe de Estado é esta suspensão da democracia por doze meses.
Os partidos que contam para Cavaco são, aliás, os do “arco da governabilidade”. Os que assinaram o Memorando de Entendimento com a troika. Os outros? Não existem no discurso de Cavaco. O Presidente esqueceu-se que era de todos os portugueses e de todos os partidos e do seu dever de equidade. O Parlamento e a actividade política portuguesa, para Cavaco, pára no PS. À esquerda é a terra incognita que nem sequer é preciso referir e onde só podem viver monstros. O golpe de Estado é também este escotoma da Constituição, este escotoma da esquerda, que Cavaco atira pela janela com sobranceria. O panorama político português foi amputado da ala esquerda com a mais absoluta displicência. As soluções? Estão na direita e eventualmente até ao PS. O próximo Governo? Terá de estar também por aí. O resto é o desastre. O presidente desaconselha. Não estão no quadro.

Se António Costa (ou outro socialista com coluna vertebral e uma verdadeira alternativa na cabeça) fosse secretário-geral do PS, estaríamos a ver o PS e toda a esquerda em pé-de-guerra. Mas quem lá está é Seguro e – sabemo-lo todos, ainda que só o digamos em voz baixa – ninguém quer ver Seguro no Governo, incluindo o próprio. A linguagem corporal dos apoiantes de Seguro, esquivando-se na televisão às perguntas dos jornalista, é elucidativa: estão todos profundamente aliviados.
Cavaco, ao não convocar eleições antecipadas, livrou-nos de Seguro e isso não pode deixar de ser visto senão com uma parcial sensação de alívio. De tal forma que até esquecemos o que, politicamente, representa a atitude populista de Cavaco em relação aos partidos e ao Parlamento. De tal forma que até esquecemos o que representa a atitude paternalista de Cavaco em relação ao Governo.
Uma atitude que, note-se, não se resume à actual legislatura. Cavaco quer que o acordo de “salvação nacional” e a suspensão do combate político se estenda ao próximo Governo, àquele que nascerá das próximas eleições antecipadas, depois de Julho de 2014. Os três partidos do arco deverão apoiar esse Governo, que ninguém sabe qual será e o acordo deverá ser a base das suas políticas. Ninguém? Não é bem assim. Cavaco sabe e já disse o que quer. E é ele que dá posse ao Governo. Vai ser o mesmo: PS+PSD+CDS.
Quem disse que Cavaco tinha uma visão minimalista do papel do presidente?

Será isto suficiente para acordar o PS? Esperemos que sim. O PS precisa de um líder que denuncie a estratégia de Cavaco, que explique as suas implicações antidemocráticas, que mostre que existem alternativas e que essas alternativas são necessárias para a sobrevivência do país. E a esquerda em geral deve compreender que, mais do que nunca, precisa de conseguir gerar uma solução governativa com real apoio popular.
Ver Cavaco humilhar o PSD e o CDS foi divertido durante umas horas. Agora é tempo de lhe dizer para parar de brincar aos caudilhos. Precisamos mesmo de eleições e de regressar à política. Mas precisamos de ter uma real alternativa.

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